Cupins e formigas
O que eu combato muito nos forros, da minha casa e dos chalezinhos, é cupim. Aí tenho que dar fim mesmo. Tiro as colônias e jogo na água do rio. Passo depois um cupinicida no local, mas isso não adianta muito, daqui a pouco eles já edificaram outra vez. Tem um canto da cumeeira então que eles adoram, voltam sempre para ali, acham que compraram aquele lote, e ainda incorporam à sua construção um fio de luz que passa no local, me trazendo prejuízo porque não instalam medidor, como eu costumava explicar à minha neta quando ela era pequena.
Contra as formigas eu tentei lutar no começo, há quarenta anos. Queria fazer horta mas elas não deixavam; era triste ver, de manhã, as mudinhas de couve dilaceradas. Gastava dias seguindo os carreiros das Quem Quem por baixo das folhas até achar os ninhos. Jogava veneno em pó ou água fervendo, fazia barbaridades, numa guerra onde eu era sempre derrotado. Elas conhecem a mata, as locas de pedra, os ocos, muito mais do que eu. Elas eram os vietcongs; eu, os americanos.
Aí desisti de horta. E passei a ver com prazer as genocidas cortarem as folhas que tinham que cortar, a admirar os caminhos, às vezes por cima do telhado da minha casa, que acessavam de um lado por leve ramo de árvore, descendo do outro por fino fio de luz. A casa se integrava à mata, servia a mim e a elas. Também lutei contra os gambás no começo, porque eles comiam as minhas galinhas, mas acabei desistindo das galinhas e aceitando a co-habitação com os marsupiais.
Se você não estiver dentro de uma cultura de roça que desmate o seu tanto – com terreirões limpos e cachorros treinados dormindo embaixo de uma árvore solitária onde se empoleiram à noite as galinhas; com monjolos no terreiro, de onde a água segue num rego que contorna a horta de verduras – se não for esse o caldo da sopa dominante, a mata sempre vence a guerra. Quando mudei de vez para cá, o Alto Penedo ainda era uma cultura de subsistência, famílias aparentadas praticamente autossustentáveis. Plantei meu trecho de roça com eles por dois ou três anos, mas a gente não se adapta completamente a uma cultura em pouco tempo, ainda mais a uma cultura que estava sendo renegada. E fui entregando um tanto da casa à mata.
(as formigas andando pelo fio de rede elétrica - Foto: Gustavo Praça)
Tem um outro tipo de formiga menorzinha que em certas épocas do ano faz uma migração doida que o pessoal da roça chama de correção. São multidões que passam de roldão e atravessam a casa. Pode botar sal nas portas, mas elas acham outras entradas. O melhor é sair um pouco, deixar o arrastão chegar ao fim. Elas fazem até uma limpeza, carregando restos de comida pelo chão, micro-lixos orgânicos.
E tem uma espécie engraçada, umas cabeçudas, que ficam pela área de serviço indo de lá para cá sem saberem o que querem, aparentemente perdidinhas. Dão consolo à gente, não somos só nós.
Aranha eu percebi logo que não tinha muito problema. Elas ficam quietas no canto delas, lá num alto da parede, não estão interessadas em mim. Agora só mato alguma com chinelada quando algum hóspede me aciona à noite pra dizer assustado que “deu aranha” lá no banheiro do chalé. Eu explico que sempre dá aranha por aqui, mas as pessoas ficam com tanto medo que eu passo a mão no chinelo. Mato a bicha e saio de lá como herói.
No próximo domingo, o último capítulo desta série de crônicas !