Enfim, a cobra
Cobra é que é foda. Já tivemos nossa filha, com dois anos, picada, e foi um sufoco. Eu estava num supermercado do Manejo e fui chamado à gerência para o aviso tranquilizador: “É para o senhor não se preocupar não porque está tudo bem, mas a sua filha foi picada de cobra e está na Santa Casa”. Foi uma urutu, mas aplicaram soro e não teve sequela (na ocasião, um senhor amigo que era psiquiatra me tranquilizou explicando que só pai e mãe é que deixam sequela).
Houve um tempo em que um bougainville subiu pela parede da casa, se espraiou pelo telhado e quando floria era uma beleza, como se a gente morasse dentro de uma enorme flor lilás. Só que os galhos iam levantando as telhas. A gente via porque a casa ainda era de telha vã. Dava goteira e, além disso, um dia eu e Lana avistamos uma cobra lá no alto, sobre nossas cabeças, tinha subido pela planta. Então podamos o bougainville e replantamos em outro lugar.
Teve uma vez também que eu cheguei em casa e a dona Ana, que era nossa empregada na ocasião, tinha deixado um bilhete assim: “tem uma cobra na máquina de lavar”. Ligamos a máquina, deixamos ela rodar junto com as roupas, e depois fomos tirando cada peça com uma vara, até a bicha sair, tontinha. Essa voltou pro mato porque era daquela verde, que o pessoal chama de cobra d’água. Com tanta água boa no ribeirão aqui ao lado foi se meter no meio do sabão em pó.
Já a cobra tranquila foi o seguinte: o Mário e o Toninho estavam trocando o madeiramento do telhado de um chalé lá do outro lado do rio. Eu ia levando as madeiras para eles quando vi a réptil no piso da ponte. Voltei, peguei a foice e fui me aproximando de mansinho. Ela sossegada, pegando sol. Era marrom e preta, rabo fino, tipo venenosa. Fui indo pé ante pé, ela não percebendo minha aproximação, prendi a cabeça com a foice e espremi. Nunca tinha matado uma cobra tão fácil. Suspendi na foice e fui mostrar ao Mário e ao Toninho pra confirmar de que tipo era. Os dois sorriam lá de cima do telhado, e me disseram assim:
“Ela estava tranquilinha, né?...”
Eles a tinham matado pouco antes com uma leve martelada na cabeça, preservando a aparência da bicha, e a colocaram estrategicamente no meu caminho. E ficaram lá de cima do telhado vendo eu me aproximar pé ante pé. Tudo bem. Não me importo de proporcionar alegria aos amigos, até gosto de rir de mim junto com eles.
Sim, tem também o sapão que vira e mexe eu pego e jogo no rio mas no dia seguinte ele já está de novo na minha porta, gosta de mim; e os macacos, os esquilos e os jacus, que rodeiam a casa. Os jacus são os mais chegados: no telhado, até na janela da cozinha. Qualquer dia andam pela mesa bicando restinho de pão, igual aos passarinhos.
Os jacus não são imponentes como a águia, são um pouco acorcundados e ensimesmados. Na roça há até a expressão “larga de ser jacu…” para exortar o introvertido a uma maior convivência social. Por isso mesmo, se um dia eu fizer um brazão para o meu reino vai ter jacu no meio. Por sinal, uma das capas do nosso Ponte Velha de que eu mais gostei estampava um jacu de alto a baixo, sem texto.