O Falanstério de Uuskallio
Apesar de suas muitas qualidades, como a maestria na atividade agrícola e a visão ecológica pioneira, Toivo Uuskallio, o líder místico e carismático da colônia finlandesa de Penedo, era uma personalidade autoritária, segundo muitos companheiros da época. “Conversou mais com Deus do que com os colonos...” – como afirmou Olavi Lahtenmaki em depoimento. Sua receita de felicidade ia além de alimentação “correta” e do imperativo de “ser livre”. Era dele também o projeto urbanístico para Penedo, tendo como eixo organizador uma grande estrada, sempre que possível reta, que iria da linha férrea ao casarão-sede.
Um trecho chegou a ser construído, e hoje é a Av. das Mangueiras. Esse eixo seria ladeado, nas terras da fazenda, por 250 lotes do mesmo tamanho: dois hectares para casa e agricultura familiar e mais 10 hectares de floresta preservada. As casas seriam todas iguais; quatro delas chegaram a ser construídas.
Tal projeto é um dos dados que mostram a influência dos socialistas utópicos sobre Uuskallio, principalmente de Thomas More com sua cidade ideal – igualitária, justa e feliz – e Charles Fourier com seu Falanstério – edifício sede de um núcleo social relativamente isolado da grande cidade, ligado à natureza. Em Penedo, o edifício sede seria o casarão da fazenda.
Fourier buscou o nome Falanstério nas falanges do exército de Felipe da Macedônia, que eram capazes de se infiltrar em diversos pontos do inimigo e destruí-lo. Da mesma forma, os núcleos sociais “sadios” iriam aos poucos curar toda a sociedade. A grosso modo, era essa a ideia. O lider finlandês bebeu nessas fontes e em outras decorrentes delas.
A cidade idealizada por Uuskallio para a colônia de Penedo é descrita em detalhes no excelente livro “Penedo Utópico”, do arquiteto Sérgio Fagerland, resultado de sua tese de mestrado em urbanismo. Sérgio é neto de Frans Armas Fagerland, que veio para o Brasil com Uuskallio em 1927 para escolher o local da colônia, e filho do também arquiteto Alva Athos Fagerland, que lhe passou anotações inéditas sobre o projeto, das quais existe cópia no Instituto de Migração da Finlândia.
Em 2008, em entrevista ao jornal Ponte Velha, Sérgio ressaltou “a visão fantástica de ecologia que o Uuskallio tinha, muito antes de o tema entrar na ordem do dia.” Além da obrigatoriedade de preservar grande área de mata em cada lote individual, proibia qualquer atividade que poluísse o rio e determinava a não existência de cerca entre os lotes, desnecessárias já que, sendo vegetarianos, não possuiriam animais. As casas seriam iguais porque, para Uuskallio, todos os homens deveriam ser iguais. Foi construída uma olaria – na rua que até hoje se chama rua da Olaria – e quatro casas modelo. O construtor-chefe era Lehtola, pai da tapeceira e pintora Eila.
Os finlandeses queriam suas casas mas não havia como construir, não só pela questão financeira (Uuskallio já estava atolado em dívidas) como também porque Lehtola, o construtor oficial das casas modelo, havia voltado para a Finlândia. Em 1935 um grupo se reuniu e exigiu seus lotes. Foram à legação da Finlândia (como se chamava a embaixada na época), conseguiram um acordo e ficaram com as terras da entrada de Penedo, à margem esquerda do ribeirão das Pedras, trecho onde fica hoje o Hotel Girassol, entre outros estabelecimentos.
E foram fazendo suas casas, cada qual a seu modo. Estava acabada a ideia do projeto urbano igualitário. Antes mesmo de a segunda grande guerra vir a desarticular o projeto econômico centralizado – enxertia para vender mudas aos laranjais da Baixada Fluminense – as dificuldades financeiras de Uuskallio acabavam com o sonho do povoado padrão.
Sérgio Fagerland chama a atenção para o fato de uma das primeiras casas feitas individualmente ter sido o belo Castelo de Pedras, construído por Toivo Asikainnen (o Castelo ainda está lá, na Av. das Mangueiras). Asikainnen fez primeiro uma casinha precária, de madeira, e uma sauna na beira do rio. E cada um que o visitava para fazer sauna, depois de relaxar no banho de rio levava uma pedra para ajudar a construção do que o amigo chamava de A Casa do Vento. Mais tarde, a construção já imponente, mudou o nome para Castelo das Fadas.
A "Casa de Pedras" de Penedo (RJ) - Foto: Redes Sociais
E durante o longo tempo da construção correspondeu-se com uma noiva na Finlândia, que ao chegar aqui não gostou do castelo (ou não terá gostado de Asikainnen?) e voltou para o frio nórdico. O Castelo das Fadas – hoje chamado Casa de Pedras -, observa Fagerland, é puro lirismo, pura invenção, como pá de cal num projeto idealista com casas iguais. Asikainnen não era um homem igual, como, de resto, ninguém é. Todos deveriam, sim, ter boas oportunidades para desenvolver suas vocações num mundo com a propriedade melhor dividida – o que é outra coisa.
Embora fugisse do padrão das casas, Asikainnen prosseguiu com Uuskallio no vegetarianismo. Em seu livro “A Saga de Penedo”, Eva Hilden conta que uma vez ele convidou um amigo para almoçar. Quando a visita chegou, não viu nenhuma panela no fogo ou prato na mesa. Asikainnen então apontou para o pomar: “Vá você para aquela árvore, eu vou para aquela outra. De entrada pode comer desta aqui, e para sobremesa vá para aquela das peras deliciosas”.
Teria ele oferecido um almoço desses à noiva?