Enfrentando os Mulheres
Ia o mundo aí pelo fim dos anos 60 do século passado e três finlandeses cinquentões tomavam uns conhaques e umas cervejas na venda do Chico Paulino, que ficava entre o casarão colonial da fazenda e onde é hoje a Praça Finlândia. Eram eles: Sipila, o dentista Toivo (como tem Toivo na Finlândia...) – ambos já falecidos – e um terceiro que não identifico mas que com certeza era casado, sendo Sipila o único solteirão da rodinha.
Os três, como eram sábios e sempre tinham tempo, bebiam e conversavam regularmente durante as tardes, atividade que se adensava quando o céu ficava nublado e chuvoso, como era o caso do dia em questão. Aí, o embriagamento daqueles brancarrões acostumados a beber no adequado frio nórdico ia ao paroxismo .
De forma que a conversa se estendeu até a noite e chegou num tema profundo como casamento, com todos fazendo questão de afirmar o domínio sobre “seus” mulheres. A vantagem aí era de Sipila, que ressaltava o valor de ser solteiro, sem mulher cobrando a hora de chegar em casa. Ele, por exemplo, já tinha ido duas vezes ao Paraguai buscar umas muambas, e resolvera viajar assim, de repente, na véspera, sem precisar consultar ninguém e nem entrar em nenhum acordo.
“Se eu quiser eu vai Paraguai agora...” – disse ele já pela sexta vez, lançando para os dois amigos, por cima dos óculos quebrados, um olhar de desafio.
Os dois casados bebericaram as cervejas calados. A ida ao Paraguai a qualquer momento era façanha difícil de igualar. Toivo acendeu um cigarro e disse que a mulher vinha reclamando das goteiras e querendo que ele subisse no telhado para varrer as folhas das canaletas e das gretas das telhas, o que ele não só não tinha feito como, certamente, não ia fazer tão cedo.
“Eu não sobe na telhado amanhã, eu não sobe depois do amanhã! Eu sobe quando eu quiser!”- esbravejava com o rosto vermelho, o tronco soerguido, os olhos esbugalhados e fixos nos dois amigos, desafiados ali para um duelo de morte na visão de algum freguês que entrasse no bar naquele momento.
“Se eu quiser eu vai Paraguai agora...” – repetia o Sipila;
“Eu não vai subir na telhado nunca!” – e Toivo bateu com a mão fechada na mesa, encarando a mulher passiva - que estava longe e era ali representada pelos dois amigos. Depois saiu devagar da imobilidade e, com muita dificuldade, levantou-se e foi até ao balcão pedir a saideira sem olhar na cara do Chico Paulino, pois estava bastante bêbado para perceber que já há algum tempo o dono do bar queria que os três fossem embora para fechar o estabelecimento.
“Eu vai dormir no sala! Eu não vai nem ver o mulher hoje! – gabou-se oterceiro finlandês, aquele que, infelizmente, não consigo identificar nessa importante passagem da história.
“Se eu quiser eu vai Paraguai agora...”– repetiu o Sípila – e parecia a única frase que ele era capaz de conceber.
Toivo chegou com a dose de conhaque a tempo de escutar o moto contínuo do Sipila sobre a ida ao Paraguai. Parou então diante dos amigos, depositou o copo na mesa com grande solenidade (ou com a lentidão a que seu estado o obrigava), assumiu uma posição marcial, os lábios apertados, e depois do silêncio que significou a decisão sendo amadurecida, proclamou baixo mas com firmeza:
“Eu vai Paraguai.”
O rosto do Sipila se iluminou:
“Eu vai Paraguai também”
“Eu vai Paraguai agora...” – completou o terceiro amigo.
Foram cambaleando para a Variant do Toivo e conseguiram chegar até Queluz. Dormiram numa pensão e voltaram na manhã seguinte.
PS: Esta crônica, como a da semana anterior, estão no meu livro “O agricultor filósofo”, que narra um pouco da história de Penedo. Como diz a cozinheira ao preparar a massa do bolo, é batendo que faz render.