Vai levar um tempo até que Dulcinei Lima, 55 anos, moradora de Itabuna, no sul da Bahia, consiga recuperar o estrago que a chuva causou em sua casa na madrugada do último domingo (26). O temporal que caiu sobre o município, um dos mais afetados do estado, no último fim de semana, deixou ruas, casas e estabelecimentos alagados.
A dona de casa conta que estava apreensiva desde que Itabuna entrou em estado de calamidade por conta da chuva forte. O fato de a casa ser cercada por canais deixou a família em alerta na noite de Natal. Ao abrir a porta, às três da manhã, ela se surpreendeu, pois os canais haviam transbordado e a água já invadia a casa de um dos vizinhos, tomando as ruas e a calçada. “A água começou a subir pelo passeio e a invadir a minha casa, pela frente e pelo fundo. A água tomou tudo”, lembra.
Com a água na cintura, Dulcinei e o filho tentaram salvar os bens que podiam. Durante a madrugada e a manhã de domingo conseguiram colocar os móveis pequenos em cima da laje inacabada da casa. Geladeira, fogão, sofá e uma das camas foram transferidos para a casa de vizinhos com mais sorte. No entanto, não foi possível poupar tudo. “Deu oitenta centímetros de altura de água na minha casa. Perdi o guarda-roupa, perdi meus armários projetados da cozinha, minhas paredes estão faltando pedaços, mas estou com saúde, graças a Deus”, enfatiza.
Dulcinei mora só, não tem renda fixa, e trabalha como diarista e manicure para poder se sustentar. “Isso é uma reflexão. A gente vê que acontece com muitas pessoas, mas a gente nunca acha que vai acontecer com a gente. Eu fiquei com o sistema emocional muito abalado. Hoje que a gente está entrando na realidade. Você abre a casa pra ver, por mais que não seja chique, não tenha móveis de luxo, mas é sua casa. É difícil, principalmente para uma pessoa como eu, que não tem salário”, avalia.
Apesar das perdas, ela comemora estar bem e ter saúde para recomeçar. Morando temporariamente com o filho, a moradora de Itabuna é otimista. “Dou glória a Deus porque estamos vivos. Eu não estou chorando pelo meu filho e nem ele por mim, porque do jeito que veio essa enchente, a gente não sabe o que ia acontecer. Tá muito feio aqui na rua, entulho de móveis, a casa fedendo, aquele cheiro forte. É uma coisa muito triste mesmo, a gente fica com o emocional abalado, mas Deus dá força pra gente ficar de pé e conquistar tudo de novo”, acredita.
Suporte
Itabuna é um dos 72 municípios baianos em estado de emergência reconhecido pelo governador Rui Costa (PT) por causa das fortes chuvas que atingem a Bahia nas últimas semanas. Na tarde desta terça-feira (28), a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) divulgou um novo balanço da situação com base nas informações repassadas pelas prefeituras.
O órgão confirmou a 21ª morte em decorrência dos temporais. Era um rapaz de 19 anos, que tentou atravessar uma enxurrada em Ilhéus, na noite da segunda-feira (27), e acabou se afogando. Segundo a Seduc, já são 34.163 desabrigados e 42.929 desalojados. Até o momento, 471.786 pessoas foram afetadas pelos temporais, de alguma forma.
A situação fez com que governadores de outros estados enviassem ajuda à Bahia Nove estados enviaram policiais, bombeiros e equipamentos para auxiliar no resgate àqueles que foram atingidos pelas chuvas. Já o Governo Federal confirmou o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e das Forças Armadas. Nesta terça-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que libera R$ 80 milhões para reconstrução de rodovias danificadas pelas chuvas.
Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento Regional, mais de R$ 19 milhões já foram disponibilizados pela Defesa Civil Nacional para ações de resposta ao desastre natural e reconstrução de infraestrutura danificada. No local estão presentes o chefe da pasta, Rogério Marinho, e o ministro da Cidadania, João Roma.
“São muitas perdas. Perdas do comércio, pessoas que perderam estoques e perdas entre as famílias, as pessoas mais necessitadas que, no geral, moram em lugares de risco e tem perdido tudo, do colchão ao fogão. É importante que a gente una esses esforços com alimentos, medicamentos, água potável, transporte, energia elétrica que tem faltado em alguns lugares que têm ficado isolados”, destacou João Roma.
As prefeituras dos municípios atingidos pelas chuvas também se mobilizaram para receber doações em apoio à população. Em Itabuna, por exemplo, é possível contribuir por meio de uma transferência bancária ou PIX. Saiba mais.
Além do poder público, organizações da sociedade civil também atuam para minimizar os estragos enfrentados pela população do sul da Bahia. No município de Uruçuca, Geraldina da Silva teve familiares que perderam tudo por conta das enchentes. Mesmo assim, ela resolveu arregaçar as mangas. A Casa do Idoso Solidária, onde ela trabalha, abriu as portas para acolher os vulneráveis.
Enquanto os colégios municipais servem de abrigo, a instituição recebe doações de roupas, alimentos, itens de higiene, cobertores, lençóis e colchões. “A nossa casa é de apoio para o pessoal vir, fazer uma refeição, pegar roupa ou levar comida. Os pontos de coleta estão servindo pra isso”, conta.
Medo
As consequências dos temporais assolam, em menor ou maior grau, os moradores dos 116 municípios afetados pelas chuvas. Camila Souza, estudante de letras, é moradora de Eunápolis. Ela conta que a abundância de água causou um efeito que muitos duvidariam.
“Como o nível [do rio] sobe demais, a prefeitura teve que retirar as bombas [das estações] para que elas não sejam carregadas e a gente acaba ficando sem abastecimento. A gente ficou praticamente uma semana sem água e, novamente agora no início da semana, a gente ficou sem água de novo, porque voltou a chover. Por um lado, tem muita água, mas o nosso abastecimento não tem”, contrasta.
Há casos também de pessoas que escaparam das enchentes, mas vivem com receio de que o nível dos rios volte a subir e destrua as casas, assim como viram acontecer com conhecidos e familiares. É o caso de Vanessa Melo, que mora no bairro Jardim Savóia, na zona norte de Ilhéus. “No fundo da minha casa, mais precisamente em uma outra rua, passa um afluente do Rio Cachoeira e eu tive receio que ele subisse ao nível de entrar nas casas aqui. Mas graças a Deus isso não ocorreu. As ruas aqui ficam alagadas e com lama por não serem pavimentadas e não possuir o escoamento necessário”, relata.
Previsão
Em entrevista ao portal Brasil61.com, Andrea Ramos, meteorologista do Inmet, disse que vários fatores climáticos contribuíram para os volumes históricos de chuva que assolam a Bahia neste mês. O primeiro tem nome complicado: são as Zonas de Convergência do Atlântico Sul, as ZCAS.
As ZCAS compõem o principal sistema meteorológico do verão no Brasil e são responsáveis por um período prolongado de chuva frequente no Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Elas se estendem desde a Amazônia e, neste momento, pegam, justamente, a faixa no sul da Bahia.
“Quando se formam essas ZCAS, elas causam de três a cinco dias de chuva. Em novembro, nós tivemos cerca de três a quatro ZCAS e, agora, em dezembro, já é a terceira que está sendo formada. Essa chuva vai se acumulando e por mais que fique um ou dois dias sem chover, mas o fato de nos dias anteriores já ter esses acumulados, mantém essa questão de alagamentos e transbordamentos”, diz. Além das ZCAS, a temperatura do mar nos oceanos Pacífico e Atlântico contribuiu para potencializar as condições das chuvas.
Ela diz que a expectativa para os próximos dias não é positiva. Deve chover no sul da Bahia, inclusive, na virada do ano. Segundo ela, a projeção a médio prazo indica que as chuvas continuarão ocorrendo. “O verão começou dia 21 de dezembro e vai até o dia 20 de março. O verão é a estação mais chuvosa comparada com as outras. O prognóstico climático ainda está indicando que vai ter chuvas acima da média para essa região”, alerta.
Muitas estações do Inmet registraram, em dezembro, recordes históricos de precipitação, alguns que duravam cerca de 50 anos. Nesse mês, em Lençóis, choveu 578 mm entre os dias 1º e 27. A média para dezembro é de 132,6 mm. Trata-se do maior acumulado para o mês desde 1961.
Em Ilhéus, apenas no dia 25, feriado de Natal, choveu quase o mesmo que a média histórica para todo o mês de dezembro. O acumulado até aqui também já é recorde desde 1961.
Fonte: Brasil 61