Por Helena Hilden, especial para a Rádio e TV Penedo - Toivo Bernhard Uuskallio nasceu na Finlândia, em 23 de setembro de 1891. Sua família possuía uma Fazenda-Escola, Toimela, para onde convergiam aprendizes de todo o País. Todos trabalhavam, o pai fabricava móveis, armas e “Kantele” (instrumento musical finlandês), e as mulheres, além de ajudar na lavoura e cuidar da casa, plantavam e fiavam linho e lã dos carneiros para fabricar seus próprios tecidos no tear manual.
Toivo adoeceu gravemente de uma doença pulmonar e resolveu adotar o regime vegano como tratamento. Conseguiu se curar e quis propagar os resultados da experiência. Publicou livros sobre nutrição, agricultura e religião, prevendo já naquela época, os desequilíbrios da natureza se a humanidade continuasse transgredindo contra a mesma. Na Finlândia, em 1920 era muito difícil ser vegano devido ao longo e rigoroso inverno, sem os recursos atuais. Surgiu então a idéia de procurar um país com clima adequado para viver conforme seus ideais, plantado e colhendo pessoalmente todos os alimentos necessários para a sobrevivência.
Toivo e a esposa, Liisa, em 1927
Formou-se um grupo interessado e resolveram, com recursos próprios, comprar um local adequado. Chegando ao Brasil encontraram a Fazenda Penedo. Era uma antiga fazenda de café, depois de gado, pertencente ao Mosteiro de São Bento. A compra foi realizada e começaram a chegar os primeiros colonos.
Tiveram uma vida muito árdua, porém criando raízes profundas nesta boa terra. Tentaram manter algumas tradições finlandesas, como a sauna, danças típicas, trabalhos manuais e reuniões para cantar canções da terra Natal em várias vozes. As dificuldades com a agricultura foram tão grandes que começaram a procurar outros meios para sobreviver. Surgiram as pensões familiares, fabricação de geleias, artesanato tradicional finlandês com materiais brasileiros: madeira, bucha, bambu, capituva, tapetes e tecidos feitos no tear manual.
Toivo Uuskallio nos tempos iniciais da colônia
O sonho de Toivo Uuskallio e seus companheiros de formar um paraíso na terra talvez não tenha se realizado, mas com muito sacrifício e tenacidade, chegou muito perto. O maior legado que esta minúscula colônia nos deixa é não ter medo do trabalho, um grande amor e respeito pela natureza e a maneira tradicional e acolhedora de receber os hóspedes.
Toivo tinha uma personalidade marcante, muita fé em Deus e era adverso a qualquer tipo de violência. Faleceu em 19 de agosto de 1969 e foi o primeiro a ser enterrado na área reservada especialmente para os finlandeses no cemitério de Resende, cidade vizinha de Penedo.
Mas quem realmente conheceu Toivo Uuskallio? Os finlandeses pioneiros de 1929 já faleceram, será que alguns de seus descendentes ainda lembram quem era esse personagem?
Lembro das festas e comemorações no Clube Finlândia quando eu ainda era uma criança. Nenhuma festa começava antes do discurso de Toivo Uuskallio. Aquele senhor alto, magro, sempre bem vestido com terno e gravata, sapatos brilhantes, cabelos brancos bem penteados, bigode aparado, se apresentava no meio do salão e falava com voz trêmula. Eu ainda não entendia muito bem aquele longo discurso, mas lembro que sempre terminava desejando a benção de Deus para todos os presentes.
Mas também ouvia os finlandeses falando coisas não tão lisonjeiras sobre Toivo Uuskallio, quando ele não estava presente. Algo como “aquele safado pegou nosso dinheiro e só deu um terreno ruim em troca, enganou a todos”. As mulheres também reclamavam: “Usamos roupas feitas com o tecido dos sacos de farinha enquanto a família Uuskallio usava roupas de seda”. Outros diziam: “trabalhamos no campo como escravos e o Uuskallio sempre viajando para o Rio de Janeiro, hospedado no Hotel Palacete, dizendo que estava buscando dinheiro para salvar a fazenda”.
Com o tempo, ouvindo as conversas de meus pais e dos outros finlandeses de Penedo, fui descobrindo quem era Toivo Uuskallio. O líder fundador da colônia finlandesa de Penedo, o motivo por que meus avós e minha mãe vieram para Penedo há tantos anos. Toivo Uuskallio era vizinho da fazenda de meus avós na Finlândia, melhor amigo do meu avô Toivo Suni, organizava palestras para conversar sobre suas ideias de alimentação vegana, preservação da natureza, ideais de vida. Com o tempo surgiu a ideia de sair da Finlândia, procurar um país tropical para uma colônia de agricultores veganos. Meu avô foi um de seus primeiros adeptos, ajudou a construir Penedo.
Alguns perguntam se havia motivos de perseguição religiosa para sair da Finlândia. Toivo Uuskallio era protestante luterano como a maioria dos finlandeses, e não havia nenhum tipo de perseguição religiosa na Finlândia. Toivo exigia que os colonos acreditassem em Deus e tivessem uma religião, mas não impunha qual deveria ser a religião. Diferente de outras colônias, os finlandeses de Penedo não construíram uma igreja, cada um era livre para ter sua própria religião.
Outro motivo questionado para deixar a Finlândia seria a guerra. Mas a Finlândia não participou da Primeira Guerra Mundial, e a Segunda Guerra Mundial ainda não havia começado em 1929, então este motivo não poderia existir.
Entretanto, a Finlândia passou por uma guerra civil para separação da Rússia e declaração da independência da Finlândia em 6 de dezembro de 1917. Foi uma guerra entre os finlandeses que se declaravam do partido dos “brancos” que desejavam a independência e os “vermelhos” apoiados pelos russos que desejavam o comunismo. Estudando a história da Finlândia sabemos que a luta pela independência foi especialmente cruel em Ahvola, Carélia, região onde viviam Toivo Uuskallio e Toivo Suni. Os dois lutaram pela independência da Finlândia. Talvez a lembrança dos horrores desse tempo tenha influenciado a decisão de Toivo Uuskallio para sair da Finlândia.
O motivo da perseguição política também não existia, afinal de contas Toivo Uuskallio lutou pela independência e apoiava o governo independente da Finlândia. Os colonos finlandeses de Penedo também apoiavam o governo da Finlândia.
Finalmente, parece que o motivo principal para deixar a Finlândia era realmente a ideia da colônia vegana. Toivo Uuskallio passou a vida toda promovendo suas ideias veganas. Segundo ele os melhores alimentos para o homem eram as nozes e castanhas e as frutas. Sempre carregava castanhas do Pará no bolso e oferecia para todas as pessoas que encontrava.
Lembro de uma visita de Toivo Uuskallio em minha casa. Ele trouxe figos secos e tâmaras e tentava convencer meu pai de que essas frutas seriam o lanche ideal para todos os dias. Meu pai, o engenheiro Marcus Hilden, sempre pensando no lado prático e econômico das coisas, respondia: “Mas Toivo, essas frutas são muito caras, um trabalhador comum não pode comer isso todos os dias. Aqui em casa só podemos comprar figos e tâmaras para o natal”.
Uuskallio respondia que todos deveriam plantar árvores para produzir todos os alimentos necessários, mas quando meu pai perguntava como as pessoas deveriam se alimentar enquanto as árvores cresciam, já que isso levaria muito anos, Uuskallio não sabia responder.
Uuskallio não aceitava o consumo de nenhum produto animal, nem carne, nem leite, nem ovos, achava que as pessoas deveriam comer apenas as frutas na forma como são fornecidas pelas árvores. Dizia que não devemos comer raízes porque nossas mãos não foram feitas para escavar a terra, foram feitas para colher frutas nos galhos das árvores. Também não aprovava os cereais porque sempre exigem algum preparo antes que possam ser consumidos, precisam ser debulhados, moídos e cozidos para serem consumidos. Considerava que os melhores alimentos eram as frutas com mais calorias, como as nozes e castanhas e as frutas mais doces. Também não aceitava o consumo de bebidas estimulantes como café ou chá. A única bebida permitida era água. Os chás medicinais eram aceitos para curar doenças. Leite apenas o materno para os bebês, leite de vaca ou de outros animais era proibido.
Em sua opinião a cozinha era uma dependência desnecessária em uma casa, uma mesa em um canto da sala poderia ser usada para uma jarra com água e uma cesta com frutas, isso seria suficiente para alimentação da família. Porém, ironicamente sua mulher Liisa passou a vida inteira cozinhando carne e outros alimentos considerados proibidos por seu marido, para os hóspedes de sua pousada.
Toivo Uuskallio também não soube organizar o lado econômico de sua comunidade agrícola. Em lugar de fundar uma cooperativa ou sociedade para a compra da Fazenda Penedo, Toivo Uuskallio arrecadou dinheiro de todos os colonos e comprou a Fazenda apenas em seu nome. Quando os primeiros descontentes com a situação em Penedo pediam seu dinheiro de volta, Uuskallio simplesmente devolvia o valor, até que um dia o dinheiro acabou e ninguém recebia mais nada. Daí surgiram os descontentes que passaram a vida inteira reclamando que Uuskallio havia “roubado” seu dinheiro.
Toivo Uuskallio comprou a Fazenda Penedo dando um valor de entrada e prometendo pagar o restante em prestações. Mas o dinheiro arrecadado não era suficiente para pagar o valor total, Uuskallio passou a viajar constantemente para o Rio de Janeiro, tentando conseguir empréstimos para saldar as dívidas, primeiro nos bancos, depois com agiotas. Perdeu muitas terras quando os credores executaram as hipotecas. E daí surgiam os boatos dizendo que ia passear no Rio de Janeiro enquanto os outros trabalhavam nos campos. Atualmente existem boatos dizendo que ia para churrascarias comer carne, isso não é verdade. Uuskallio realmente foi vegano a vida toda, e as churrascarias atuais nem existiam naqueles tempos.
Finalmente, foi obrigado a vender uma parte da Fazenda Penedo. Cada colono recebeu um pedaço de terra, supostamente proporcional ao valor de sua contribuição financeira. Mas muitos ficaram descontentes com a terra recebida, alegavam que deveriam receber mais terras, ou uma localização melhor para seu terreno, mais reclamações a respeito de Toivo Uuskallio, que realmente ficou com a maior parte das terras de Penedo.
Mas desde então cada um passou a ser dono de sua terra, podiam viver como queriam, não eram mais obrigados a seguir os mandamentos de Toivo Uuskallio. Surgiram a cooperativa dos criadores de galinhas, acabaram os veganos, apareceram as pousadas familiares, a produção de artesanato, Penedo começou a se transformar em local turístico.
Toivo Uuskallio continuou suas peregrinações ao Rio de Janeiro, tentando financiamento para salvar a sua parte restante das terras. Até hoje existem terras que pertencem a Toivo Uuskallio, mas sem documentos para comprovar a posse verdadeira. Sua mulher também começou a receber hóspedes em casa para sobreviver, mais tarde sua filha Taimi cuidou da Pousada Penedo até seu falecimento já na década de 1990.
Toivo Uuskallio e sua família
Toivo Uuskallio e sua mulher Liisa tiveram dois filhos, Aimo, que morreu solteiro sem deixar descendentes, e Taimi que se casou com Robert Aichinger, tiveram um filho, Harald Aichinger, que ainda vive na região de Penedo.
Eu continuo não entendendo como Toivo Uuskallio conseguiu convencer tantas pessoas a deixar seu país, entregar todas suas economias para comprar a Fazenda Penedo, sem ter nenhum documento como garantia, nenhuma prova de aplicação de seu dinheiro. Conheci o homem e costumo dizer que não iria com ele nem até a esquina. Como ele conseguiu convencer tantas pessoas a confiar todas suas economias, colocar todo seu destino em suas mãos?